Frestas #11, parte 02: Só o amor (sem tempos duros)
O contraste e o uniforme: Reflexão sobre os impactos dos seis passos, percurso de criatividade do Leituras Org.
Olá, bem vinda/o!
Esta é a Frestas, uma newsletter pensada em deixar sugestões (no fone e no olhar) de feitos que nos aquecem o peito e que, de vez em quando, deixamos arder. Conjuntos de palavras que atravessam, pairam e fazem parte do meu processo de escrita, que deixo também.
Frestas #11, parte 01: Só o amor (sem tempos duros)
Olá, bem vinda/o! Esta é a Frestas, uma newsletter pensada em deixar sugestões (no fone e no olhar) de feitos que nos aquecem o peito e que, de vez em quando, deixamos arder. Conjuntos de palavras que atravessam, pairam e fazem parte do meu processo de escrita, que deixo também :)
“escolhemos amores
como quem escolhe acidentes
e há ainda tantas fissuras
por abrir
durmo na ideia
de que só o silêncio
nos salvará das línguas da dor
e a manhã
pousa em mim
como um carro que
me pisa os ossos
um a um
ainda assim
ficar estática
esperar o estalo da quebra
mordendo os dedos
em cigarros
para última refeição
querer que me vejas
como me fez o mundo
carregada por todos
os fantasmas vizinhos
gostaria de dizer
que não sou
o que me persegue
mas todos os passos
serão sempre
por amor à fuga,
por isso diz-me,
tens avisado o corpo?
como está a tua vontade
de correr?
tens feito exercício?
preparado os pulmões
para a apneia?
escuta,
só há um caminho
para a nossa entrega
e será sempre
no sentido do mar.
(O quarto rosa, Francisca Camelo).
Mês passado fui num parque de esportes radicais localizada numa cidadezinha no Norte de Portugal. Acho que todas as coisas que eu gosto de fazer surgem desta forma, por impulso. Cheguei lá e tudo que eu não tinha feito ainda me chamou atenção, principalmente a queda livre de um prédio sem equipamentos de proteção a 15 metros de altura. Quando eu vi essa possibilidade, achei o máximo e na hora comprei. Entrei no prédio, ouvi o instrutor me alertando que preciso pular primeiro do primeiro andar e, se eu cair bem sucedida no colchão no chão — ou seja, deitada, com os pés na horizontal e as mãos coladas ao peito — é porque eu estava apta para pular para valer, com chances mínimas de me machucar. Assim foi. Subi até o último andar, ouvi o instrutor alertando a melhor maneira de saltar — dando uns passos para trás, para pegar um impulso — e pulei em questões de segundos, sem nem pensar duas vezes.
Fiz a simulação de queda livre mais cinco vezes naquele dia. Uma sensação boa de que eu tinha o direito de proporcionar essa carga elétrica no meu corpo. Acordá-lo. Dizer “olha aqui, você está viva! Relaxa!”.
No final deste mesmo dia, tive terapia. Para quem não sabe, a área que decidi seguir e que eu mais me identifiquei foi a da constelação familiar. Por vezes, no final ou início de sessão, minha consteladora faz comigo como que fosse uma meditação, um mantra que resumisse aquela nossa conversa. Nesse dia, esqueci-me completamente de falar sobre minha aventura — peças do inconsciente, acredito eu, compartilhar uma coisa tão boa que, quando deixa de ser só sua, dá espaço para o outro colocar uma visão que talvez você não tenha visto por completo. Dito e feito. No meio da meditação, a imagem daquele dia voltou quando pediu-me para fechar os olhos.
Contei-lhe sobre tudo, e ela me deu uma resposta que eu não estava a espera. Estar na minha própria força é ser a gente mesmo. Curioso pensar em como uma mesma sensação sua veio de maneiras tão distintas: um salto em queda livre e uma meditação com o corpo relaxado. Julia, a gente não aprendeu a ser livre. E com certeza a gente não precisa saltar de um prédio para ter essa sensação de liberdade.
Não consegui prestar muita atenção a não ser nessas palavras ditas e em como se encaixava também na temática amorosa. Muitas vezes, a gente procura o amor nos lugares em que não faz parte de nós. Às vezes, procuramos o amor em certas pessoas só para agradar alguém. Ou para fugir de nós mesmas.
A vida é sempre um pular para valer.
Como diz Francisca Camelo em O quarto Rosa,
todos os passos
serão sempre
por amor à fuga.
Novamente digo que estou realmente muito feliz de ver o resultado e as relações de todos esses passeios do leituras org com tanta mulher talentosa se conhecendo, se admirando e compartilhando poesia juntas.
Espero que gostem!
Passos 01: Só o amor (sem tempos duros) - Declarações de amor
escrevi seu nome
com letras de macarrão
no caderno da sétima série
antes mesmo de saber
que o amor
se come com as mãos.
(Fome, Caroline Justo).1
se me perguntarem
de primeiro amor
não sei responder
não sei elencar assim
o que significa primeiro
pois o amor veio cedo e ainda
sem nome.
quando menina, o amor é
compulsório
e mal direcionado
é preciso se apaixonar
pois
é isso que as meninas fazem.
teve vários comecinhos
o menino loirinho que era só
meu amigo
mas, “e os namoradinhos?”
me deixava confusa das minhas obrigações
enquanto criança
que já sentia muito
mas ainda não sabia
os nomes.
porém nome só podia
de homem.
fazia listas bem decoradas para ver
se me apetecia
se algum nome ressoava melhor na língua
e alguns eu até conseguia pronunciar por mais tempo
mas ficava um sabor incômodo e amargo
a sensação de almoço forçado porque
é melhor para você.
alguns primeiros amores foram negligenciados
e receberam outros cargos
altas amizades, respeitáveis admirações, desafetos até
demorei a entender que amor podia ser uma lista distinta de nomes
e que pra mim era muito mais love do que amor.
teve o primeiro beijo
dessa vez com a menina loirinha que
eu não queria que fosse só minha amiga.
o primeiro segredo confessado à primeira mulher
que roubou meu coração.
o primeiro encontro de mãos dadas e olhares acesos,
e olhares alheios que nem percebemos.
o primeiro “eu te amo” dito entre os dentes e entre medos.
só depois de muitos, entendi que eram possíveis
os meus primeiros amores.
as minhas primeiras amadas.
às minhas primeiras amadas.
(Primeira, Giulia de Gregorio Listo).2
devir-saudade:
encontro marcado
das bocas que roçam
o limiar da linguagem
miragem?
há margem?
viragem
da imagem.
(Sem título, Andréa Zemp Nascimento).3
E para você que leu até aqui, muito obrigada, e te espero para o poema-potência-ato seguinte, no #frestas 11, parte 03!
Meu nome é Julia Peccini (@julia_peccini), tenho 23 anos, sou mulher, poeta e imigrante. Nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, vivo e resisto em Portugal desde 2018. Meu novo livro, Nem só de amor vive Afrodite, está disponível para compra pela Editora Philos, e te convido a dialogar comigo um pouco sobre essas frestas que nos despontam.
Caroline Justo é relações públicas e escritora. Gosta de ler poemas na sarjeta e na mesa do bar. Se riscar o amor de seus textos, não sobra quase nada.
Giulia de Gregorio Listo é jornalista, poeta, produtora de conteúdo e taróloga. Autora de “Longing” (2019) e “Where the Bess Come to Die” (2022), ambos publicados de forma independente, e de “Estapafúrdia” (2023/24), a ser publicado pela Editora Mondru. Fundou em 2022 o Coletivo Colossus para mulheres, travestis e pessoas não-binárias que escrevem.
Andréa Zemp Nascimento é brasileira, mãe de dois filhos, cresceu em Barra Bonita (SP) e tem raízes em João Pessoa (PB). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP (São Paulo) e em Mediação Cultural e Artística pela ZHdK (Zurique), entende como um importante papel em sua vida o diálogo criativo e lúdico com todes que mantenham viva a chama da infância (não seria isto, afinal, ser poeta?). É autora do livro “A criança e o arquiteto: quem aprende com quem?” (Annablume/ FAPESP, 2015). Tem poema publicado na antologia “Corpos de Amor de Luta”, fruto da VII Edição do Festival de Poesia de Lisboa (Ed. Helvetia Éditions, 2022). Andréa participou do movimento “Um grande dia para as escritoras” como organizadora da foto de autoras brasileiras em Zurique na Suíça, tendo tido a honra de contribuir com um texto para o livro de mesmo título (Ed. Bazar do Tempo, 2023).
Atualmente, a autora dedica-se à gestação de seu primeiro livro de poemas.
Que texto mais cheio de amor...❤️
Julia, acabo de ler as duas partes em seguida e estou cheinha de amores! Agradeço por compartilhar esses poemas e reflexões!