Frestas #11, parte 04: Nem só de amor vive Afrodite.
Livro escolhido como Semifinalista do Prêmio Oceanos 2023.
Olá, bem vinda/o!
Esta é a Frestas, uma newsletter pensada em deixar sugestões (no fone e no olhar) de feitos que nos aquecem o peito e que, de vez em quando, deixamos arder. Conjuntos de palavras que atravessam, pairam e fazem parte do meu processo de escrita, que deixo também.
rumo é diferente de destino
rumo é católico
tem a ver com culpa
destino é cigano
tem a ver comigoeu gosto de pensar que tenho
muitas coisas a fazer
mas não gosto de sentir
que tenhosentir é um negócio urgente
tento o cinismo mas sempre caio no caos
cedo à quase toda urgência da mente
é assim que acho que sou mais as minhas obsessões do que sou gente.(Trecho do poema: Pitangas e mirtilos molhados e uvas e outras propostas de sabor napolitano, Nalu Romano).
Que saudades que eu tava de dar minha cara por aqui!
Depois de quase um mês, estou de volta para terminar um ciclo que comecei semanas atrás no leituras org. Um final de ciclo para a frestas #11 que calhou de ser que nem o meu: mudança de cidade, mudança de trabalho, mudança de pessoas, mudança de rotina.
Demorei um tempo para alimentar as ideias antes de processar as coisas que aconteceram no mês de setembro. Foi muito. Foi estressante — e tá sendo ainda —, repleto de crescimentos, entradas, desesperos e energias (que têm chegado das formas mais positivas possíveis).
Mas nem sempre foi assim. É a minha segunda vez de mudança para o Porto, com uma primeira um tanto traumatizante. Apesar de tudo, que bom ver como uma repetição de ciclos às vezes chega na hora certa.
Eu tive que esperar dois anos da minha vida para perceber que minha primeira vez na cidade anos atrás não era para ser com os objetivos que eu achava que eram bons para mim, e sim de conhecer pessoas e aprender artisticamente questões que influenciaram para que eu tenha uma baita de uma conquista hoje.
Li uma vez em alguma das news que sigo por aqui que estar desconfortável é estar viva. Tudo que passa pela gente serve de amadurecimento. Ainda bem. Realmente, existem coisas que só acontecem a partir de um certo volume de tempo e, num encontro de pessoas inesperadas dessas primeiras semanas de novo ciclo, a escritora Carla Muhlhaus me lembra no seu livro Pulei sete ondas e não funcionou, então pulei o mar todo, da Editora Urutau, que em Portugal o tempo existe, e prontos.
21/01/19
Não é que o tempo em Portugal seja mais lento, é que em Portugal ele existe. Habita mesmo as ruas, as farmácias, as paragens de autocarros, ou pontos de ônibus. O tempo é palpável, visível, sólido como as pedras da calçada.
Os portugueses dizem: “São cinco menos um quarto”, tranquilos porque ainda não são cinco, calma lá. Nós, afobados, alarmamos “São quinze para as cinco”, não vai dar tempo, não vai! Ao final de uma compra, eles perguntam “É tudo?” e nós respondemos “Sim, é só”, porque sempre falta alguma coisa, porque angústia é isso, falta programada.
Ao telefone, com intimidade, vem um “E então?” bem escandido, porta aberta para a expectativa e também para jogar um pouco de conversa fora. Não perguntam se você tem um segundo, porque afinal o segundo é de todos, é claro que você tem, e por isso mesmo um email pode levar um bocadinho para ser respondido, mas e então? E então abrem a porta para você passar e dizem “Força”, despedem-se com um “Continuação de um bom dia”, porque, vejam bem, tudo continua. E, enquanto tudo continua, eles usam, no sentido literal, sem conotar oposição, o “entretanto”. Porque entre tanto, entre tanta coisa acontecendo ou desacontecendo, o tempo vai continuar aqui.
E prontos.
Enfim, vamos ao que interessa: Chegamos ao final dos passos do leituras org, no que gostaria de destacar apenas dois últimos: Os chamados “Largar você não vai ser fácil” e “Amar de novo”.
Relendo os poemas enviados por essas mulheres talentosas, deparei-me mais uma vez com a rapidez violenta com que as palavras de Laura Miranda me atravessam e deixam rastros. Ainda bem. É no vestígio que eu, hoje, procuro me achar.
Portanto, deixo aqui o poema de Laura e, em seguida, o meu texto com a mesma afiação, escrito com inspiração do último passo do leituras org, o “Amar de novo”.
você aparece no meu aniversário você finge que tudo bem porque o espaço é
público ou
você me pergunta se tudo bem ir ao meu aniversário até porque o espaço é público
ou
você chega no meu aniversário você me pergunta se pode ficar e eu respondo que o
espaço é público ou
você traz seus pais no meu aniversário e tudo bem o espaço é público mesmo eu
não tendo convidado ou
você me encontra na rua e me dá feliz aniversário e diz que soube da festa e eu
finjo que não ouvi ou
você esbarra comigo em algum lugar e não me olha nem no olho tamanha é a
covardia mas eu
queria até que você chegasse mais perto
se você chega mais perto tomara que eu te dê um soco eu sonho com isso mas
eu durmo em cima do meu braço e não consigo eu só sei falar que
se você se aproxima eu talvez cuspa na sua cara eu talvez grite eu talvez chute o
seu saco e te arraste pelo cavanhaque rua humaitá abaixo até eu
lembrar de quando te carreguei por laranjeiras porque você bebeu
demais e foi muito escroto não lembro se pediu desculpas eu devia
ter te largado lá
um dia de merda um sol bonito eu fui pra pior consulta médica da minha vida
eu falei o seu nome um maluco cantou djavan pra mim na rua e você
passa dando um beijo na sua mãe e eu finjo que não vi porque estou atrasada estou
sem óculos estou na porta da clínica mas o calor eu
sinto saudades da sua mãe
minha menstruação atrasa eu fico puta eu passo raiva por uns dias até depois dela
descer ou
minha menstruação atrasa eu fico puta eu mudo de cidade e tenho um filho seu ou
minha menstruação não atrasa eu só estava com medo de ter um filho seu ou
minha menstruação atrasa eu tenho medo de abortar um filho seu ou
minha menstruação atrasa eu fico puta eu aborto um filho seu mas pulo o seu
portão e eu
talvez faça carinho na sua cachorra
logo antes de amarrar o feto
na roda da sua bicicleta.
(Laura Miranda).

uma mão para fora do carro a 137km por hora você quer deixar a mão solta mas muita liberdade a faz dobrar para trás e na hora esqueço até de esfregar as mãos é rápido não dá tempo pro alívio soltam seu nome de raspão e ele me atinge sabe há dias que penso em te mandar uma mensagem e perguntar como foi o seu exame se você ainda vai no moçambique se ainda continua com o melhor café curto se um dia a gente vai se ver de novo o tempo voou já tô na espanha errei a rota me cansei só de lembrar mas um dia desses peguei uns tijolos de rua e catei para dentro da casa para uns design de móveis sob medida aqueles que me mostrou nos rascunhos que você colocou na parede do meu quarto pegou um sol e você gostou de como eles ficaram ali com classe eu volto mais um pouco pro meu café aqui no porto você sabia que o expresso se chama cimbalino você riria se soubesse disso no jardim do mouro até você me consertar o jardim se chama morro rindo das possibilidades acho que preciso de um aparelho auditivo mas gastei todo meu dinheiro olha comprei aquelas calças marrons largas que você gosta e a jardineira jeans para ir ao museu você não gosta de museu mas eu vou mesmo assim catar umas remendas da lembrança e umas plantas da esplanada e colocar em cima daqueles tijolos que fiz de mesa sob medida lá em casa e tirar uma foto analógica colocar ao lado dos seus rascunhos que ficaram lá na minha antiga parede do quarto vi uma tipografia numa aldeiazinha aqui de ponte de lima que você ia amar será que você largou aqueles vícios deve ter doído e talvez não dado certo mas deu um alívio depois imagino sabe eu não sei se foi paixão ou ansiedade mas logo depois da medida quebrei os tijolos e colei os pedaços na parede junto da planta que dei o nome de cimbalina me desculpa cimbalina não fiz por mal mas fiz sim e você não ria da cimbalina que ainda sobrou deixei a outra parte no lado de fora da casa um dia ela vai aí te dar uma visita de raspão e aparecer em cima do seu prato na mesa sob medida para te acompanhar naquele teu café curto remendar o final que você reclama ter um gosto horrível e eu vou te remendar te chamar de cimbalina comer da próxima vez inteira soltar seu nome de raspão pelas costas ouvir silêncios da rua já que a tipografia nunca teve experiência de você será que tem como comparar com o melhor café do mundo que é a cimbalina cuidado com a cimbalina cuide bem dela por mim ou então ela vem sem pernas aí pintar a parede do quarto dizer aqueles vícios que talvez não tenha dado certo mas deu um alívio sabe acho que foi paixão e ansiedade não quero mais destacar pelos picotados sim um beijo cimbalina vai lá enfrentar a ponte o frio na barriga desvendar você primeiro um beijo cimbalina que eu vou catar a euforia de pegar plantas em outro lugar.
(Um beijo cimbalina, Julia Peccini).
Classifico estas últimas semanas como um ensaio de voo e finalizo com uma notícia para lá de especial: Fui surpreendida com o meu livro Nem só de amor vive Afrodite, como Semifinalista do Prêmio Oceanos 2023. Continuo sem palavras. Venho aqui para divulgar minha felicidade e agradecer principalmente aos meus leitores e aos que contribuíram para a realização deste livro: Pedro Eiras, Vinícius Mahier, Dora de Assis, Andy Vilella, meu editor Jorge Pereira e à cidade do Porto pelo choque de realidade.
Porto, esse primeiro mês de volta foi um baita arrebatamento. Das coisas que nos movem, compartilho algumas lentes do encontro sob a ótica do meu amigo e fotógrafo Yuri Felix.









E para você que leu até aqui, muito obrigada! Te espero para o poema-potência-ato seguinte, no #frestas 12
Meu nome é Julia Peccini (@julia_peccini), tenho 23 anos, sou mulher, poeta e imigrante Semifinalista do Prêmio Oceanos 2023. Nascida e criada em Niterói, no Rio de Janeiro, vivo e resisto em Portugal desde 2018. Meu novo livro Nem só de amor vive Afrodite está disponível para compra pela Casa Philos, e te convido a dialogar comigo um pouco sobre essas frestas que nos despontam.
Muito parabéns Júlia! Torcendo aqui por você, mas certamente, já venceu até aqui!