Frestas #09: O que não te falam sobre o aumento da leitura no Brasil: A escrita literária em grupo.
A invisibilidade dos coletivos de escrita frente à venda de autores brasileiros em alta. Uma parceria de escrita com Anna Carolina Ribeiro.
Olá, bem vinda/o!
Esta é a Frestas, uma newsletter pensada em deixar sugestões (no fone e no olhar) de feitos que nos aquecem o peito e que, de vez em quando, deixamos arder. Conjuntos de palavras que atravessam, pairam e fazem parte do meu processo de escrita, que deixo também.
Essa coisa de querer ter os mesmos resultados
Eu tô numa fase tão estranha nos últimos dias. De não estar satisfeita com alguns fatores momentâneos, resultados da minha rotina.
E essa coisa de querer ter os mesmos resultados brinca com um pouco do ego, questiona a capacidade, deixa de lado o tanto que você já faz/está fazendo.
Como lidar com a sensação de insatisfação com os seus afazeres diários, ainda mais quando a busca pelo self, sempre constante, irá ter como base o momento?
Será que o momentâneo é uma nascente?
Será que a nascente se inicia apenas após a queda d´ água?
Será que um salto é uma queda?
Será que permanecer tentando te satisfazer em silêncio, em coisas que não se tocam, é mostrar estrondo?
“Pense em processo, não produto.”
- Austin Kleon.
Vou me conduzindo no momentâneo.
Sem olhar para os lados.
Sem projetar a minha satisfação com base na caminhada dos outros.
Confundindo o inesperado com o momento do incomum.
Uma hora eu chego lá.
Coletivos de escrita: Temos voz para além dos muros?
Hoje de manhã eu fiz um café e sentei na escrivaninha, navegando e procrastinando no computador, tentando encontrar uma melhor maneira de começar esse debate. No meio dessa preguicinha toda de domingo de manhã, um insight do Tiago, do Tira do Papel: “E se você enxergasse as suas restrições criativas como as regras do jogo?”
Automaticamente essa frase me paralisou. Justo, eu acredito.
Para mim, que sempre pensei em coletivo, ainda mais de escrita, como sinônimo de libertação, acrescento, e expansão do eu individual e do eu poético, seriam as restrições as regras do jogo?
Uma coisa é fato: o mundo literário reconhecido socialmente ainda é muito elitizado e/ou dá prestígio para autores que estão emergentes/nas redes atualmente. Não que não seja importante, mas “o risco de transformar a pessoa em cristal é que isso interdita o debate”.
E é isso que foi dito no Frestas #07 e repito: Sim, estamos consumindo grandes e necessários nomes da literatura contemporânea como Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Ninna Rizzi, Djamila Ribeiro, dentre muitos outros. Porém, grande parte desse por que de estarmos consumindo foi que são histórias que chegaram até nós, muitas vezes, pelas livrarias e centros comerciais de fácil acesso. Há diversos outros autores prontos para serem lidos, mas que são oprimidos pelo grande polo editorial e custos de produção do livro. Uma pluralidade de autores prontos para serem reparados fora das grandes massas de distribuição editorial.
E nós, leitores, o que estamos fazendo em relação a isso?
Depois de anos de governo conservador e de corte nas verbas no Ministério da Cultura, é verdade que estamos engatinhando para um país em que as vias estão ficando mais abertas e que a literatura nacional está sendo mais lida, mas é ilusão achar que não há nada para melhorar e que os autores nacionais, no geral, estão finalmente vivendo de escrita.
E se estamos encaminhando para furar um pouco a bolha, em que especialmente quem participa de clubes de escrita ajudam em muito a democratizar essas leituras e a própria escrita autoral, por que não há uma via de mão dupla desse reconhecimento dos clubes de leitura pelas editoras mais tradicionais? Afinal, se as editoras tradicionais lutam a partir das estratégias de marketing para reter, criar valor e fidelização de clientes, o fortalecimento de comunidades de escrita, à partida, proporcionaria uma mais valia para todos.
Puxo a fala de Eduardo Fernandes, da newsletter do Texto sobre tela, em sua edição sobre internet corporativa para relacionar essa questão entre comunidade X mercado editorial X internet:
“Naquela época, o que nos atraiu foi o senso de comunidade, de encontrar pares, de dividir experiências. Alguns de nós somos amigos até hoje. E mais que isso: ainda tiramos dinheiro do bolso pra apoiar os projetos uns dos outros.
Essa é a Internet que, na verdade, nunca morreu. Apenas foi ofuscada pelas “nuvens” corporativas, que começam a se dissipar timidamente.”
Para escrever esta newsletter, fizemos um formulário com 12 mulheres escritoras que participam, entre 2 meses a 5 anos, em cerca de 9 coletivos de escrita espalhados pelo Brasil. Dentre as trocas, uma das respostas mais marcantes para mim foi de uma autora que disse que “os coletivos são como uma ilha de identidade nesse oceano literário dominado pelas grandes editoras.”
E é verdade.
Primeiro, precisamos olhar para a cultura e os significados que ela organiza e relaciona na sociedade. Dentro disso, se pegarmos o significado da palavra “ilha” como sendo um espaço físico, de terra, isolado e cercado de água, e “identidade” como um conjunto de características em comum de pessoas, é curioso a escritora ter decidido definir a palavra “coletivo” com dois conceitos isolados, mas que se encontram exatamente pela sensação de exílio.
A uns anos atrás eu tive uma cadeira com a doutora Catarina Isabel Caldeira Martins sobre Multiculturalidade e Diálogo Intercultural e ela sempre reforçava a noção de que “As nossas pertenças são determinadas pelo contexto em que vivemos num determinado momento histórico, num espaço e num tempo. É a cultura em que vivemos que nos oferece as possibilidades de sermos "isto ou aquilo", de nos identificarmos com determinadas representações, grupos, valores.” E isso vai afunilando certos tipos de espaços em que queremos ou até podemos entrar. A partir disso, temos que nos moldar como sujeito em que, de certa forma, as identidades acabam por ser influenciadas pelas relações de poder estabelecidas.
Tudo isso para dizer que, devido a essa realidade, essa “ilha de identidade” acabou por encontrar outras e outras. Cresceu, tomou mais espaço.
Criamos mais espaço.
E o que nós, escritoras de coletivos de escrita, podemos fazer no momento?
Deixo o depoimento de uma das voluntárias do formulário para o questionamento e um certo incitar a ação:
“Sim, acho que os coletivos têm ajudado a formentar a escrita e têm aberto espaços para mostrarmos a nossa voz, mais ainda estamos no início de uma longa jornada. Talvez eu não veja os resultados, mas meus netos colham uma maior democratização do acesso a literatura independente. Penso que agora que chegamos e fincamos uma bandeira, é preciso nos organizarmos para manter essa bandeira e ampliar. Falta estudo de grande parte das escritoras sobre a própria literatura, falta até leitura, para que decidamos o que fazer e por onde seguir. Não adianta tomar um espaço e ser leviano com ele. Me pergunto: quem de nós realmente ficará, será estudada e citada no futuro? Estamos mesmo contribuindo ou somos uma massa sedente de ser lida e ponto?”
A segunda parte dessa conversa está presente na newsletter da Anna Carolina Ribeiro, o annaverso, e convido vocês a ler e continuar a leitura!
Alguns outros:
Músicas que fizeram parte deste mês:
Leituras do mês de junho:
Insubmissas Lágrimas das Mulheres, Conceição Evaristo.
Onde estão as moedas? Joan Garriga Bacardi.
Podcasts do mês:
Newsletters que acrescentam:
“Era o que eu queria. Era o que eu queria? A liberdade é linda porque é flexível. Volto quando quiser. Fico o quanto puder. Vão-se políticas e culturas, ficam os discursos ababalhados. Eu não quero. Querer eu quero, mas não estou com essa vontade toda. Então não quero. Venha, vai ter bolo. E o resto do mundo? E a família? Somos todos conectados. A teleinformática moderna resolve.”
“Olhar o passado com respeito. Contar o que tiver que ser contado, deixar ir aquilo que não cabe na história. Fazer da ficção uma extensão de si, do outro. Criar, a partir do que lhe habita e alcançar o que não é seu, mas passa a ser, quando as palavras se encontram.”
“Porque será que a alegria soa a pecado ou erro e a tristeza a coisa certa e segura? Mas há mais: quando todos à nossa volta parecem tristes, surge também a vergonha. Soa escandaloso estar alegre ao pé de pessoas tristes. Quando se é criança, é difícil viver com adultos tristes. Sente-se a imposição da tristeza. Não se pode contar ou rir porque parece que perturba e ofende o escudo melancólico a que se voltam as pessoas crescidas. E fica-nos na cabeça esse modelo, que ser grande é ser sério e que apenas se deve ser pontualmente alegre.”
“Parecia o fim do mundo, mas quando eu abri os olhos, o mundo continuava ali. Nunca me relacionei assim, mas tenho curiosidade… Se a gente for devagar, eu topo descobrir com você.
E lá se vão 10 anos juntos.
Para reinventar as estruturas de afeto, a gente precisa contar com a boa vontade do outro.
O amor é construção, já diria bell hooks.”
E para você que leu até aqui, muito obrigada, e te espero para o poema-potência-ato seguinte, no #frestas 10!
Meu nome é Julia Peccini (@julia_peccini), tenho 23 anos, sou mulher, poeta e imigrante. Nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, vivo e resisto em Portugal desde 2018. Meu novo livro, Nem só de amor vive Afrodite, está disponível para compra pela Editora Philos, e te convido a dialogar comigo um pouco sobre essas frestas que nos despontam.
Gosto das suas recomendacoes: conheci 'Leve e Suave' do Lenine e os Segredos em Órbita. Valeu o dia, pode descer a noite :)