Frestas #03: Sei lá, muitas noias.
Algumas coisas a serem ditas sobre artigos, goldens, fios e falas curtas. Um lembrete para 2023.
Olá, bem vinda/o!
Esta é a Frestas, uma newsletter pensada em deixar sugestões (no fone e no olhar) de feitos que nos aquecem o peito e que, de vez em quando, deixamos arder. Conjuntos de palavras que atravessam, pairam e fazem parte do meu processo de escrita, que deixo também.
Texto 01: É noia minha?
“Que nos falta para viver uma festa?
Quase nada, reconhece. Talvez a companhia,
um pouco menos de ruído, não sei,
cancelar de vez a assinatura do mundo.”
(Profissão de pé, José Miguel Silva).
Em meio a procrastinação de 800 artigos de mestrado por fazer, fico pensando no que poderia escrever aqui que fosse relevante neste mês. Se escreveria algum poema autoral, ou sobre alguma temática que passou pela minha cabeça de madrugada e me fez perder o sono, ou até sobre assuntos aleatórios na vida do brasileiro e que só acontece no Brasil, como o desfile de inúmeros goldens retriever no shopping da minha cidade (sim, isso aconteceu).
Entre falas curtas e pensamentos que mais são perguntas do que delírios, por que caralhos a opinião do outro é tão decisiva para o avanço e concretização dos planos de uma pessoa? Por que caralhos achamos que não somos suficientes para aprovar e incentivar a nós mesmas, se incentivamos o outro a conquistar o que os levam ao progresso? Sei lá, muitas noias.
As coisas não precisam estar perfeitas para serem postadas, nossos horários não precisam estar sincronizados para que se tenha um maior alcance, e tá tudo bem em não seguir um caminho que foi designado a você. Às vezes nem tudo precisa fazer sentido para ter um significado.
São sensações curiosas, essas romantizações.
No amigo oculto de 2021 ganhei um diário de cinco anos. Basicamente, são poucas linhas de cada dia para atualizar as páginas, como se fossem fronteiras, e desde já, até prisões de significados, que se completam na sua maneira. O mais doido é que, mesmo sendo um diário, eu seleciono, escolho o que quero colocar para ler depois de um tempo. Ou seja, deixei de ser criança com toda aquela inocência que admiro e me vi relutar nas palavras. Escolho uma das perspectivas desse labirinto que é a escrita, quando pensei que seria um objeto natural, franco.
Eu deveria criar ambientes que me permitem deixar mais confortável ou deveria falar, exteriorizar tudo, fazer com que as coisas fiquem mais reais? Será que eu crio a minha narrativa ou apenas escrevo o que eu quero ver?
Desde já digo que o meu 2022 foi repleto de coisas gratificantes. Correr atrás, apesar da preguiça, é compensador. Faz uns meses que eu não tô entendendo nada do turbilhão de atualizações que tá acontecendo na minha vida, e eu agradeço o quanto é bom estar crescendo, me conhecendo e adquirindo vivências vastas com apenas 22 anos. Mas ao mesmo tempo em que alavanquei algumas portas no meu eu profissional, tive muito medo de tocar nas maçanetas. Tive receio de não saber a melhor maneira de avisar a minha presença, se eu batia ou se apenas tocava a campainha.
Apesar das consequências da vida para uma pisciana que pensa demais, 2022 foi importante para ver que não se deve dar brecha para quem não chega junto. 2022 foi essencial para reconhecer alguns hábitos impostores e até mesmo presenças automáticas de pessoas que eu arrasto para suprimir algo em mim e que logo as deixo para trás. Fazendo das minhas palavras as minhas, a maior das verdades que muitas poucas pessoas falam no quesito de morar sozinha é que te deixa vulnerável. E tá tudo bem também ser, desde que reconheçamos esse fator.
Jout Jout tem uma frase maravilhosa em torno desses motivos que incentivam (e ao mesmo tempo desmotivam) a ação. Ela diz que “se você tá lutando pra ser do jeito que você tem sido, de repente esse não é o jeito que você é”.
Pode ser, mas nem sempre precisa de ser.
Às vezes o que falta, ou na gente ou para que um projeto se realize, é realmente o que a gente deixa de fazer visto o que achamos que seria mais receptivo pro outro, e é muito isso mesmo, até porque nós, mulheres, infelizmente sentimos a necessidade de nos moldar para caber. E já tecendo esse fio com a literatura, pensar nisso me lembra muito das tecelagens de narrativas de Annie Ernaux e Aline Bei. Elas recusam essa doxa, se fazendo ouvir no inaudito invisibilizado do corpo da mulher e da materialidade presente da poética na prosa.
Mas isso aí é papo para um outro dia. Um artigo, talvez, quem sabe. É o significado do não sentido completando, afinal de contas, o esperado desfile da aparência dos goldens.
É encarar o preceito da prática
e o recomeço do ensinamento.
Texto extra enquanto seco as minhas roupas
“É tão difícil guardar um rio
quando ele corre
dentro de nós.”
(Jorge Sousa Braga)
Pode soar muito brega o que vou dizer, mas não consigo cumprir a ideia generalista de que fim de ano é “encerrar um ciclo”. Como se você fosse várias roupas molhadas numa máquina de secar, se movimentando, embolando umas nas outras, batendo nas partes metálicas para que se seque a tempo da porta se abrir.
Por que eu não posso ser a máquina? Ou o tempo? Ou a música que toca no fundo da lavanderia? Ou as molas que montam algo maior, toda essa estrutura? Por que precisamos sempre mostrar nossas corridas, nossas secagens, antes do tempo terminar?
Dá pra entender? Uma coisa que eu posso fazer é programar o tempo no início, a temperatura de secagem e os tipos de roupa que pretendo ser. Mais que isso, desculpa, sei me camuflar também. Desculpa não, é que a anos me dizem que eu tenho esse defeito de pedir desculpas demais, vi que uma hora deixaria de fazer sentido se desculpar, então dentro deste ciclo, preciso ouvir a máquina de fora. Uma prática diante do que o novo pode ser. E é isso que sinto muito, ver que a maioria das pessoas esperam até a virada do ano para fazer, para se permitir sentir demasiado por achar que tem mais tempo.
Eu posso ser as roupas, mas também posso ser a pessoa que abre a porta da máquina de secar. Tiago, do Tira do Papel, mostra uma frase no seu bloco de notas que é o que eu sugiro para esse nosso 2023: Sentir é pauta de criar. Você não pergunta à máquina qual a capacidade de roupa que dá, você vai colocando as roupas até concluir o que pretendia, independente do tempo.
Você é o ciclo. E o ciclo não tem como desaparecer. Não temos o controle, mas as demarcações do ciclo nem sempre precisam ser voltadas a ele.
Nunca nos esqueçamos disso.
Alguns outros:
Esse mês rolou a Literatona, uma maratona de leitura e escrita por @liliansais. Aqui, deixo os trechos de versos das trocas de poemas que marcaram aquele encontro:
Nasci na floresta.
Não sei meu nome.
Nasci na montanha mas mudei
de ideia. Nasci
no deserto. Todo o meu povo morreu
no fogo e me deixou
com os deuses. Chamavam-me pó.
Como isso me queimou.
(Genealogia, Camille Rankine)
uma menina morreu em mim
por onde vou carrego
seu cadáver
e a forma exata do seu corpo
repousa no meu corpo
como num vestido
largo demais.
(É como se a infância não fosse um tempo, Ana Martins Marques)
e uma vez pelo menos
tropeçar numa pedra,
molhar-se em alguma chuva,
perder as chaves na grama
e seguir com a vista uma fagulha ao vento;
e incessantemente não saber
algo de importante.
(Anotação, Wislawa Szymborska)
As músicas que me fizeram companhia no embaralho desses dias:
Para os leitores cariocas, Não me torra é um achado. Uma cafeteria em banca de jornal em frente à praia de Icaraí, com snacks, clube do livro em cadeiras de praia, bebidas calorosas, mini troca de livros e, acima de tudo, gerida por uma escritora cearense, Jéssica Lima. Tem coisa melhor para passar a manhã?
Além disso, a Jéssica tem um livro de poesia publicado (que pode ser visto e comprado no café) e também uma newsletter na substrack!
Eu li 85 livros em 2022. Um pouco preocupante, talvez, a forma como mergulho nesse refúgio. De qualquer forma, continuo, e essas foram as minhas leituras do mês de dezembro:
Pardais - Adília Lopes.
A colina que subimos - Amanda Gorman.
A edição em Portugal 1970-2010: Percursos e perspectivas - Rui Beja.
O lugar - Annie Ernaux.
Meu gosto por podcasts sempre centrou em episódios sobre o dia a dia, notícias ou reflexões diversas. Porém, por algum motivo decidi começar o ano com ânimo em ouvir conversas de artistas que curto, então toda viagem de ônibus que tinha de fazer, me peguei dialogando com esses artistas por horas. Deixo aqui os meus últimos:
Eu descobri que eu tenho um tique que eu denominei como Crises de Fim de Ano. É um padrão que eu vi que tenho todo mês de dezembro, não importa a situação. Uma ansiedade sem fim por não saber como planejar um ano em que eu ainda não consigo ver, tampouco controlar, e é difícil esse autocontrole. Umas noias minhas de que minha vida adulta fica ainda mais real e o tempo, por mais que seja abundante por agora, escorre mais rápido por entre as dúvidas que percorre esse mês.
Então eu boto tudo pra fora, purifico e recomeço, como diria Tim Bernardes. Quando preciso de inspiração para autoestima e planejamentos, exploro o perfil da @flordemim, e dessa vez encontrei um post que ela escreve sobre formas saudáveis de visualizar o seu 2023, e achei interessante compartilhar aqui, para quem esteja também com esse meu tique. Formas de visualizar não só 2023, mas também esse fim de dezembro para as próximas vezes.
E para você que leu até aqui, muito obrigada, e te espero para o poema-potência-ato seguinte, no #frestas 04!
Meu nome é Julia Peccini (@julia_peccini), tenho 22 anos, sou mulher, poeta e imigrante. Nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, vivo e resisto em Portugal desde 2018. Meu novo livro, Nem só de amor vive Afrodite, está disponível para compra pela Casa Philos, e te convido a dialogar comigo um pouco sobre essas frestas que nos despontam.